A própria célula
é um pequeno ser vivo, que concentra todas as potencialidades da vida e
as qualidades do organismo, porque se move, respira, nutre-se (assimila e
desassimila), cresce, segrega, reproduz, nasce e morre, sente o ambiente e
reage a ele. Desde sua primeira unidade, a vida muda continuamente, quer
exprimir-se sempre em suas formas mais altas e complexas.
- Há sempre
grande necessidade de subir e de revelar em si mesma essa ascensão;
- ao
mesmo tempo, vê-se uma necessidade de prudência, que teme aventurar-se
ao perigo de tentativas dirigidas a equilíbrios muito avançados e
afastados da segura estabilidade dos equilíbrios já experimentados.
____Assim, a vida oscila entre as velhas estradas já conhecidas e seguras, já
percorridas nas primeiras e mais simples estabilizações de movimento —
as mais resistentes aos choques ambientais — entre a necessidade de
conservar-se e proteger-se, mantendo-se na linha do passado (misoneísmo),
e a necessidade de absorver, em sua estrutura cinética e de tornar suas,
assimilando-as, novas linhas de força, obedecendo ao irresistível
impulso ascensional da evolução (inovar-se, revolucionar-se).A vida se equilibra assim (até mesmo no campo intelectual e
social), entre as tendências conservadoras e as criadoras, e segue
adiante na luta entre duas forças opostas:
____A
natureza avança, mas com muita prudência.
As grandes florescências orgânicas só acontecem em períodos
particulares, como aqueles a vós revelados pelas descobertas paleontológicas;
períodos de transição rápida, em que os edifícios dinâmicos, muito
saturados dos novos impulsos assimilados, precipitam em tentativas de
formas novíssimas, em que a vida, depois de longas fases de incubação
silenciosa, explode numa inopinada febre de criação. Tentativas nem
todas bem sobrevividas, períodos de construções apressadas e
monstruosas, mas que lançaram as bases de novos órgãos, de novas espécies,
de novos instintos.
Hoje, a fase das formações biológicas tornou-se um passado superado. Os
seres que vedes, animais ou plantas, são tipos sobreviventes da evolução,
vitoriosos na grande luta da vida. Não podeis observar a evolução, mas
apenas suas conseqüências. A elaboração presente acha-se em outro nível.
____Período semelhante, de
apressadas e monstruosas criações paleontológicas, viveis hoje, mas não
como unidades orgânicas, e sim como unidades psíquicas,...
- com a mesma febre de criação (paixões),
- com a mesma monstruosidade de
formas espirituais (erros e mentiras),
- com a mesma incerteza e
instabilidade.
____Também no campo psíquico e
social, a Lei continua no mesmo ritmo. Também o equilíbrio
espiritual do mundo oscilou sempre entre o impulso de conservação e o de
revolução.
- Algumas células sociais tendem a manter-se na senda dos
equilíbrios estáveis e seguros, conhecidos, mas fechados, do passado.
- Outras células personificam as tendências opostas, destroem e
reedificam, tentando sempre caminhos novos, em incessante dinamismo;
representam o princípio da revolução, diante do princípio da conservação.
São os pioneiros que vivem perigosamente, que dão tudo de si e arriscam
tudo, que assaltam e atormentam, mas são os únicos que criam. O mundo
dormiu por milênios na estase de um ritmo monótono, que voltava sempre
sobre si mesmo, nos mesmos pontos que pareciam fixos (princípio de
conservação); mas não sabeis que lento trabalho subterrâneo de
amadurecimento e de assimilação ocorria no mundo psíquico-social,
fazendo com que o equilíbrio estável e fechado se precipitasse um dia na
revolução.
____O segundo impulso oposto das inovações tomou hoje a
primazia e a alma do mundo tenta, nas pegadas dos grandes pioneiros que
falaram sozinhos, há muito tempo, as criações futuras: criações
psíquicas, biológicas. No resto deste século vosso
trabalho individual e de massa decide a respeito dos futuros milênios.
____Naquelas fases primordiais
das formações orgânicas, a maleabilidade do plasma dobrou-se à pressão
do explosivo psiquismo interior, ávido
de expressar-se, modelando_as_formas. Ao lado da formação de órgãos
internos cada vez mais complexos, houve uma florescência exterior de
todos os meios de ataque e defesa, que a luta contínua impunha. A planta
estende suas gavinhas como órgão preênsil para agarrar:
- produz
no espinho a primeira garra para ofender;
- inventa
a astúcia de economizar movimento, lançando sementes aladas ao
vento, ou pregando-a nos animais que passam;
- a
arte de envolver as sementes de saboroso fruto, não para alegria do
homem, mas porque este, ao comê-lo, leva involuntariamente para longe
as sementes;
- a
arte dos perfumes e a estética das cores e das formas, porque também
a beleza atrai e é grande necessidade no baixo mundo biológico: a
beleza, ao lado da luta, é necessidade universal e protege, como um
dom sagrado e divino que dá alegria, diante do qual o agressor para,
quase reverente, detido pelo medo de perturbar a harmonia
divina.
- Todos
os segredos da mecânica, da química, da eletricidade são
utilizados: nascem patas, asas, antenas, chifres, tenazes, bicos,
presas, ferrões;
- a
arte sutil dos venenos, da fosforescência, do hipnotismo, das ondas
elétricas;
- O psiquismo retifica no olho as
imagens visíveis;
- a
arte dos sentidos desenvolve-os cada vez mais finos e complexos,
sempre de atalaia;
- não
há descoberta humana que antes não tenha sido encontrada e utilizada
pela natureza.
Todos
esses meios sábios são utilizados com sabedoria ainda maior:
- Os
tecidos são regidos por uma força racional que lhes guia as funções,
por isso, o tubo digestivo que digere o plasma, não digere a si
mesmo;
- as
glândulas que segregam o veneno, não envenenam a si
mesmas.
- Há
ainda o mimetismo, a arte da mentira, e também, a da fuga para os
fracos.
____Por que falta somente uma
— a arte da compaixão? Porque esta é conquista mais alta, a que só o
homem saberá chegar e, como verdadeiro rei, só ele saberá
conceber dominando toda a vida no planeta. No uso dos órgãos e
instrumentos de ataque e de defesa, a vida manifesta mais evidente seu psiquismo.
É ciência sem piedade, mas é ciência. A natureza assegura a sobrevivência
das espécies construindo organismos em grandes séries, lançando germes
no campo da vida com a máxima prodigalidade.
- A fonte primária, que brota
no âmago da substância, aparece-vos com um poder ilimitado e inexaurível;
- O que lhe delimita a expansão, a força que freia a multiplicação dos
seres, reside sobretudo na limitação dos meios ambientais, limitação
da qual nasce a luta cuja função principal é a seleção do melhor.
- Sem
a rivalidade do vizinho que modera sua expansão, cada espécie sozinha
invadiria todo o planeta.
____A Lei é sábia e alcança seus objetivos.
Aparece, assim, a vida como desenfreada concorrência de apetites, em que
tudo é obtido com a força ou com a astúcia. Este é o nível do animal
que não tem horror a seu estado, porque sua sensibilidade é proporcional
a ele. O animal é feroz com toda a inocência e nem por isso é imoral,
mas simplesmente amoral. Nesse nível a vida é contínua guerra, é um
atirar-se a ataques aos quais apenas os mais fortes resistem, esse é o
estado normal. Aí a bondade é fraqueza e falência. A bondade é flor
mais delicada que a sabedoria; nasceu depois, muito mais no alto na escada da evolução . Mas aquela
sabedoria já era profunda.
[63
- A GRANDE SÍNTESE - A sabedoria do psiquismo ]
|