As âncoras cósmicas - (Folha
de São Paulo)
Existe uma belíssima hierarquia no Universo,
de padrões que se repetem a distâncias variando de um
planeta e sua lua
até aglomerados contendo milhares de
galáxias. São
objetos girando em
torno de outros, os de menor massa em torno dos de maior, em uma
coreografia controlada pela gravidade
:
- a
Lua gira em torno da
Terra, assim
como outras luas em torno de outros planetas.
- Os planetas giram em torno
do
Sol,
- e o Sol em torno do centro da
Via
Láctea, juntamente com bilhões
de outras
estrelas.
- E a Via Láctea gira em torno de aproximadamente 20
outras galáxias, pertencentes ao "grupo local".
Mais precisamente, objetos giram em torno do chamado centro de massa do
sistema. O centro de massa é a âncora gravitacional do sistema,
o ponto em torno do qual tudo gira.Se o Sol, a âncora gravitacional do
sistema
solar, gira em torno do
centro da galáxia, então o centro de massa da galáxia, a sua âncora,
deve estar bem próximo de seu centro. Até pouco tempo atrás, não se
sabia o que se escondia por lá
: telescópios terrestres não eram capazes
de enxergar através da confusão de estrelas e gás incandescente que
existem na região central da Via Láctea ou de qualquer outra galáxia. A
solução foi utilizar uma combinação de telescópios que vêem não a
luz visível, mas outros tipos de radiação eletromagnética, as ondas de
rádio e a radiação infravermelha.
Após anos de estudos detalhados, astrônomos descobriram algo de
surpreendente
: no coração da Via Láctea reside um gigantesco
buraco
negro, com uma massa equivalente à de milhões de sóis. Essa conclusão
baseia-se em vários argumentos
:
- primeiro, nuvens de gás girando em torno
do centro galáctico têm uma forma toroidal (como uma rosca), emitindo
quantidades enormes de radiação.
- Segundo, bilhões de estrelas também
giram em torno dessa região, a altíssimas velocidades.
- Terceiro, a região
central, a âncora gravitacional dessa atividade toda, é extremamente
pequena. Apenas buracos negros podem causar tanto alvoroço em tão pouco
espaço.
essa descoberta não se limita à Via
Láctea
: todas as outras galáxias,
desde as de forma espiral (o caso desta galáxia) até as elípticas, contêm
um
buraco negro em seu centro. O interessante é que, em todas as galáxias
estudadas até agora, o buraco negro central tem em torno de 0,5% (1/ 200)
da massa total da galáxia. Resultados como esse não são uma
coincidência
:
eles expressam algo de universal na formação e no crescimento das galáxias,
uma relação entre a âncora gravitacional e a sua corte de estrelas e gás.
Aqui reaparece a hierarquia dos padrões cósmicos:
o Sistema Solar nasceu
devido ao colapso de uma gigantesca nuvem de gás, rica em hidrogênio, há
aproximadamente 5 bilhões de anos. A própria gravidade da nuvem, aliada
à sua rotação, fez com que ela assumisse a forma de uma pizza durante o
seu colapso, com a maioria da massa concentrada em seu centro. Essa massa
central gerou o Sol, enquanto que aglomerados menores girando à sua volta
produziram os planetas. Ao menos aproximadamente, a nossa galáxia
repetiu esse mesmo processo de formação, 7 bilhões de anos antes do
Sol. Mas a concentração de massa em seu centro era tão gigantesca que
ela não pôde suportar o próprio peso e entrou em colapso, terminado com
um buraco negro. (
Ver: Evolução
da matéria)
Recentemente, um outro ramo dessa hierarquia cósmica foi descoberto.
Aglomerados globulares contêm milhões de estrelas, entre elas as mais
velhas do
Universo, com 12 bilhões de anos. O Telescópio Espacial Hubble
detectou
buracos negros no centro de dois aglomerados, cada um contendo
também 0,5% da massa de seu aglomerado, a mesma proporção das galáxias.
Resta desvendar a função das âncoras cósmicas no processo de formação
de galáxias, sejam elas pequenas ou grandes.
Marcelo
Gleiser
Professor
de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
http://www.geocities.com/fisicademais/noti/Frame31.htm
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