Como há
apenas um
Deus no céu,
declara
Inácio, só pode haver, também, um único bispo na
igreja. “Um Deus, um bispo” tornou-se o
slogan
ortodoxo. Inácio adverte “o laicismo” a reverenciar, honrar e
obedecer ao bispo “como se fosse Deus”, pois o bispo, no ápice da
hierarquia eclesiástica, preside “no lugar de Deus”.
34
Quem, então, está abaixo de Deus?
O
conselho divino, responde Inácio. Assim como Deus governa o conselho
no céu, o bispo governa, na
Terra,
um conselho de padres.
O próprio Inácio compartilhava, de modo irônico,
esse ponto de vista com os funcionários romanos que o condenaram à
morte, por julgarem suas convicções religiosas uma evidência de traição
contra Roma.
Para Inácio, como para os pagãos romanos, política e
religião constituíam uma unidade inseparável. Ele acreditava que
Deus se tornava acessível
à humanidade
por meio da igreja e de forma
mais específica, por intermédio dos bispos, padres e diáconos que a
administravam: sem eles, não há nada que possa ser chamado de igreja!”
36
Em nome da salvação eterna, impelia o povo a se submeter aos bispos e
padres. Embora Inácio e Clemente descrevessem a estrutura do clero de
formas diferentes,
37 ambos os bispos concordavam que a
ordem humana refletia a autoridade divina no céu.
| 34
- Inácio, Magnesians 6.1; Trallians 3.1; Ephesians 5.3. |
| 36
- Trallians 3.1; Smyrneans 8.2. |
| 37
- Ver, por exemplo, Campenhausen, Ecclesiastical Authority and
Spiritual Power, 84-106. |
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Irineu admitia a correlação entre a
estrutura da autoridade divina e da autoridade humana na igreja. Se Deus
é um, então só pode haver uma igreja e apenas um representante de Deus
na comunidade o bispo.Irineu declarou, portanto, que os
cristãos ortodoxos
deveriam acreditar acima de tudo que Deus - criador, Pai, senhor e juiz -
é único. Advertiu que um Deus instituiu a
igreja_católica e que ele a “preside juntamente com os que
exercitam a disciplina moral”.
75 No entanto, encontrou
dificuldades para discutir
teologia_com_os_gnósticos: eles afirmavam concordar com tudo que Irineu
dizia, mas este sabia que desconsideravam, em segredo, suas palavras como
provenientes
de alguém não espiritualizado. Sentiu-se, então, compelido a
concluir seu tratado com um apelo solene de julgamento:
| Deixe os que blasfemam contra o Criador (...) como [fazem] os valentinianos
e os falsamente chamados “ gnósticos" serem
reconhecidos como representantes do Diabo por todos os que adoram a
Deus. Através deles, o Diabo, mesmo agora (...) tem sido visto
falando contra Deus, e diz que Deus preparou o fogo eterno para todo
tipo de apostasia. 76 |
Contudo,
poderíamos estar errados ao pensar que essa luta envolve apenas os
membros de
inspiração
carismática que afirmam serem leigos, lutando contra uma
hierarquia
organizada, não espiritualizada de padres e bispos. Irineu indica, de
forma clara, o oposto. Muitos daqueles que censurou por propagarem
ensinamentos gnósticos eram membros eminentes da hierarquia da igreja. Irineu,
certa vez, escreveu a Vítor, bispo de Roma, para adverti-lo acerca da
circulação de determinados
escritos_gnósticos entre suas congregações.
77 Considerou
esses escritos especialmente perigosos, pois o autor, Florino,
reivindicava o prestígio de ser padre. Irineu informou ainda a Vítor que
esse padre também era, em segredo, um iniciado gnóstico.
| 76
- Irineu, AH 5.26.1. |
| 77
- Irineu, Ad Florinum, em Eusébio, Historia ecclesiae 5.20.4-8. |
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