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Teoria dos humores
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Crianças e Adolescentes
DESAPARECIDOS

____Recorrendo a guias médicos e livros de medicina popular dos séculos XVIII e XIX (Roma, 1726; Chernoviz, 1868; Langgaard, 1873; Dückelmann, 1907; Rossiter, s. d.), assim como a compêndios de história da medicina (Boinet, 1911; Santos Filho, 1947; Boussel, 1979; Oliveira, 1981; Ackerknecht, 1982; Babini, 1985; Entralgo, 1970, 1972 e 1982; Lyons e Petrucelli, 1993), foi possível constatar um forte resíduo, ou mais propriamente uma sobrevivência, em pleno século XIX, da teoria humoral de Hipócrates, a antiga medicina dos humores. Herdada dos gregos, perdurou impressionantemente na história da humanidade e em meados do século passado ainda se mantinha com sucesso, arraigada nas mentalidades, não obstante os progressivos avanços e conquistas científicas de então.

A medicina hipocrática e a teoria dos humores

"Já alguém disse, com grande sagacidade, que não há doenças, mas doentes."

Machado de Assis, A Semana, 19.11.1893

____Baseada essencialmente na observação do processo da doença, a medicina hipocrática praticada na Grécia Antiga nos cinco séculos que antecederam o início da era cristã, preocupava-se mais com prognóstico e tratamento que com eventuais diagnósticos, mais com a prática que com a teoria. Estava voltada para o reconhecimento de sintomas e não propriamente de enfermidades, dentro da perspectiva mais ampla de que qualquer perturbação no estado de saúde era decorrente de um desequilíbrio no corpo, visto sempre como uma totalidade. Para ela não havia doenças, mas sim doentes.

____Tinha como premissa fundamental uma crença inabalável no poder curativo da physis, a natureza. Cabia ao médico apenas ajudá-la, ou seja, assistir à manifestação dessa poderosa força de restabelecimento de equilíbrios, interferindo o menos possível nesse processo. A physis, princípio de tudo, origem e fundamento da realidade visível e invisível, raiz, fonte inesgotável de todas as coisas, realizava-se primordialmente em elementos irredutíveis, que para Empédocles eram a água, o ar, a terra e o fogo. A esses elementos Aristóteles associou quatro qualidades: quente, frio, úmido e seco, que, em múltiplas combinações, compunham tudo o que é visível no cosmos (Entralgo, 1972, II, pp. 61 e 63). O ar era quente e úmido; a água, fria e úmida; a terra, fria e seca; o fogo, quente e seco, todos relacionando-se, por sua vez, às quatro estações.

____A esses quatro elementos primários foram vinculados os ` humores', que resultavam da mistura, em quatro proporções diversas, dos elementos primários de Empédocles. Definidos como elementos secundários do corpo e caracterizados por sua fluidez, miscibilidade e condição de suporte das quatro qualidades naturais (idem p. 90), os humores básicos eram também em número de quatro:

  • sangue,
  • pituíta (ou fleuma, ou catarro),
  • bile amarela
  • e bile negra (ou atrabile, ou melancolia).

____Cada um tinha um centro regulador da sua dinâmica e para ele era atraído:

  • O sangue, para o coração;
  • a pituíta, para a cabeça;
  • a bile, para o fígado;
  • e a atrabile, para o baço.

____Eram igualmente portadores de um par de qualidades, de tal forma que:

  • O sangue era quente e úmido;
  • a pituíta, fria e úmida;
  • a bile amarela, quente e seca;
  • e a bile negra, fria e seca.

____Dessa estequiologia, ou seja, dessa doutrina de composição elementar dos corpos naturais, surgiu a teoria humoral. A partir da premissa de que pares de oposições deviam ser mantidos em equilíbrio para a saúde e harmonia do corpo, enquanto os humores estivessem balanceados, o indivíduo desfrutaria de saúde. Certos processos, entretanto, podiam determinar um acúmulo maior de um dos humores, levando ao desequilíbrio da physis. O organismo então acionava um mecanismo de defesa, caracterizado por uma faculdade expulsora, que assegurava a eliminação do humor excedente. Este desequilíbrio era o causador da doença.

____Os excessos de sangue, catarro, bile, matérias fecais, urina, suor tornavam-se visíveis durante as crises de desequilíbrio, e não raro a doença desaparecia após a descarga de um desses fluidos, através de diarréias, vômitos, sudoreses, hemorragias etc. Se a descarga não era feita naturalmente pelo organismo, deveria, segundo algumas correntes doutrinárias, ser provocada, sendo a terapêutica hipocrática dirigida basicamente para o ataque às causas do desequilíbrio, visando restabelecê-lo.

Ver mais informações em:

http://www.coc.fiocruz.br/hscience/vol2n3/art23_tania.html

Tania Andrade Lima

Professora do Departamento de Arqueologia e Museologia da Universidade Estácio de Sá.

Ver também:

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