GUIA.HEU
20 Anos
A constituição da Igreja Cristã
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Crianças e Adolescentes
DESAPARECIDOS

A mais brilhante apologia do Cristianismo na antigüidade foi, entretanto, a obra Contra Celso, composta por Orígenes (185-254 d.C.). Ele superou Clemente e foi também seu sucessor na orientação da escola de catecúmenos que, tornando-se oficial da igreja de Alexandria, foi ampliada em verdadeira universidade.
____Orígenes dedicou-se à exegese e aos comentários da Bíblia, considerada por ele como autoridade máxima. Possuía sólido conhecimento da filosofia grega. Estudara as correntes intelectuais da época e influenciara-se por elas. Julgava-se adversário do gnosticismo, mas dele se aproximava em diversos aspectos. Por isso, embora representando um desenvolvimento essencial na teologia cristã, suscitou reações da autoridade eclesiástica.
____O desenvolvimento intelectual do kerigma evangélico também foi provocado pelas heresias. Particularmente no século II a Igreja viveu momentos de crise interna provocada pelo aparecimento do gnosticismo, do marcionismo e do montanismo. Foram considerados heréticos por interpretarem a fé de modo errôneo:

  • O marcionismo era partidário da existência de duas divindades e rejeitava o Antigo Testamento;
  • O montanismo baseava-se na espera exacerbada da Parusia e na volta do profetísmo como forma de revelação divina.

____Essas interpretações contraditórias do mesmo kerigma resultavam da falta de formulação doutrinária precisa.
Até a segunda metade do século II os cristãos não tinham uma Escritura definida. A tradição escrita e oral deixada pelos Apóstolos, testemunhas de Jesus tornaram-se normas doutrinárias. Mas, como os escritos atribuídos aos Apóstolos eram muitos, as comunidades mais importantes selecionaram os que consideravam autênticos. Procurou-se, dessa forma, estabelecer um Novo_Testamento com uma estrutura idêntica à do Antigo_Testamento, para uso de todas as igrejas cristãs. Buscava-se alcançar uma unidade doutrinária, capaz de distinguir a ortodoxia da heresia. A tradição oral também se ampliara e, assim como a literatura apostólica, corria o risco de se deformar. Pela necessidade de manter a predicação da Igreja conforme a dos Apóstolos, a verdadeira tradição tornou-se aquela ensinada pelos bispos. E eles foram considerados sucessores legítimos dos discípulos eleitos de Cristo. Mais tarde fez-se da sucessão apostólica um princípio teológico: ao se ordenar, o bispo recebia o charisma veritatis - dom que lhe permitia ministrar um ensinamento fiel à doutrina apostólica. E, desde o final do século II, Escritura e tradição oral passaram a se complementar como forma de revelação divina.

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA IGREJA

____No século III o Cristianismo, que já estava definitivamente desligado do contexto judaico, deparou-se com situações novas. A_Igreja ampliava sua influência e constituía um grande povo. Mas para consolidar sua expansão, era necessário organizar-se. As instituições eclesiásticas e as posições doutrinárias tiveram desenvolvimento paralelo:

  • Os fundamentos da autoridade residiam na origem apostólica.
  • O Novo Testamento reunia os escritos dos Apóstolos;
  • Os símbolos exprimiam sua fé,
  • e o ministério fora instituído por eles.

____O termo " apóstolo" era considerado por Paulo de Tarso (10-67 d.C.) em sua acepção etimológica significando "enviado". A eleição de um apóstolo provinha então de uma ordem carismática --de um apelo do Espírito_Santo-, qualificando-o para a pregação do Evangelho. E sua autoridade era aceita desde a comunidade de Jerusalém, sendo ele igualado aos doze escolhidos.
____Desde o início do Cristianismo, os Apóstolos tinham auxiliares eleitos pelo carisma divino. Suas funções eram administrativas e eles se dividiam em:

  • presbiteroi (anciãos),
  • episcopoi (fiscais)
  • e diáconos (servidores).

____Quando se tornaram importantes, essas funções passaram a depender da escolha da comunidade. De modo geral, os ministérios carismáticos transformaram-se em ministérios institucionais. Seus titulares eram qualificados para transmitir a seus sucessores o carisma recebido. Repousado no rito da imposição das mãos ou ordenação - que conferia a autoridade para o exercício do ministério - definiu-se então o sistema hierarquizado do Cristianismo.
____Havia duas classes de ministros eclesiásticos:

  • Os diáconos, encarregados da vida material das comunidades e das obras assistenciais
  • e os presbíteros ou bispos, que exerciam as funções espirituais e litúrgicas. Presbíteros e bispos, termos inicialmente sinônimos, atuavam de forma colegiada numa comunidade em que houvesse vários deles.

____Depois esses ministérios se bipartiram, desenvolvendo-se a doutrina do episcopado. O bispo representava diretamente Cristo, garantindo a ortodoxia e guardando a plenitude dos poderes sacerdotais. Entretanto, quando as comunidades se multiplicaram, uma parte das atribuições do bispo passou ao presbítero. Embora submisso à autoridade episcopal, ele se revestiu das funções sacerdotais.
____O termo latino sacerdos (sacerdote), designando o presbítero ou padre, só apareceu na linguagem eclesiástica no início do século III. Tanto para os judeus como para os pagãos, o sacerdote era essencialmente um sacrificador. No Cristianismo primitivo, entretanto, só existia o sacrifício da cruz, sendo Cristo o único sacerdote verdadeiro por ter imolado a si mesmo. E o termo sacerdos, quando adotado, fundou-se na concepção da Eucaristia como o sacrifico da Nova Aliança entre Deus e os homens.
____Os bispos eram considerados descendentes diretos dos Apóstolos. Essa crença justificava-se na afirmação de que os primeiros teriam sido nomeados por um apóstolo que, pela imposição das mãos, transmitira-lhes sua autoridade. E a "sucessão apostólica", como uma linha contínua e fiel à lei dos Apóstolos, tornou-se garantia da ortodoxia doutrinal: uma Igreja que, através dos bispos, se reivindica descendente legítima dos Apóstolos, não poderia jamais contaminar-se pela heresia.
____As sedes episcopais não possuíam a mesma importância e autoridade. Algumas, estabelecidas nas metrópoles regionais particularmente importantes, atuavam como igrejas-mães em relação às igrejas episcopais das províncias. Originou-se então a igreja metropolitana e a organização em províncias eclesiásticas, baseadas nas províncias do Império. Sedes como Alexandria e Antioquia destacavam-se entre as metropolitanas. Entretanto, a primeira posição na hierarquia eclesiástica foi reivindicada pelo bispo de Roma, mesmo depois da mudança da capital para Constantinopla. Acreditava-se que a igreja romanafora fundada pelos apóstolos Pedro e Paulo. A primazia de Pedro no colégio apostólico--"Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja" (Mateus 16, 18)--perpetuou-se em todo o episcopado na pessoa de seu sucessor. E, se o prestígio do bispo de Roma cresceu devido à supremacia política da capital, reforçou-se pelo conceito da sucessão apostólica.
Várias vezes, durante os conflitos disciplinares e doutrinários do fim do século II e no século III, os bispos de Roma reivindicaram uma autoridade de arbítrio. E quase toda a cristandade ocidental se dispunha a aceitá-la. Entretanto, o papado só se definiu mais tarde, pois, nos primeiros séculos, a Igreja considerava-se episcopal na estrutura concreta e em sua justificação teórica. A maior autoridade desse período estava acima da individualidade do bispo: eram os sínodos e concílios provinciais ou regionais. As antigas perseguições aos cristãos fizeram muitos mártires. Esse termo vem do grego mártir, significando "testemunha". E o seu culto originou-se no século II. Os martirizados eram heróis da causa cristã e sua veneração tornou-se significativa: eles poderiam interceder junto a Deus. Os cristãos passaram a invocá-los, reunindo-se em torno de seus túmulos, que se transformaram em centros da religiosidade cristã. Especialmente em Roma, as comunidades mais ricas adquiriam terrenos onde sepultavam seus mortos. Para abrigar os túmulos de possíveis profanações, construíram as criptas no subsolo e, sobre elas, edifícios de culto. Esses cemitérios cristãos particularmente os mais resguardados - passaram a chamar-se " catacumbas" (originariamente o nome de um campo próximo ao cemitério de São Sebastião, em Roma).
Com o desenvolvimento do culto_aos_mártires, a vida cultual nas catacumbas assumiu grande importância. E, quando os cemitérios passaram à jurisdição da Igreja, tornando-se propriedades oficialmente cristãs, a vida cultual nas catacumbas teve ainda maior impulso.
____Caracterizados dessa forma, os cemitérios foram muito visados quando o poder romano pretendeu impedir as reuniões cristãs. Alguns imperadores interditaram suas entradas e confiscaram os edifícios. Apesar das proibições, nos períodos de crise mais aguda, os cristãos reuniram-se no subsolo. Para se protegerem, cavaram estreitos corredores, cobriram outros já existentes e construíram escadarias. Dificultavam assim o acesso dos soldados.
____As catacumbas foram utilizadas num curto período, principalmente em Roma e seus arredores. Tornaram-se, entretanto, para os cristãos, o mais eloqüente símbolo de seu testemunho, significando a realização das palavras do Evangelho: "Pela vossa constância alcançareis a Salvação" (Lucas 21,19).
____No século III d.C., o Império Romano encontrava-se à beira da derrocada. Suas fronteiras estavam ameaçadas e os imperadores, sucedendo-se ininterruptamente, eram impotentes para garantir a segurança das províncias. A aristocracia, ameaçada, começou a constituir Estados independentes. A população sofria privações de todo tipo e praticava atos de banditismo.
____No início do século IV, Diocleciano buscou a consolidação estatal, instaurando uma monarquia absolutista. O imperador foi transformado em descendente dos deuses, o Exército e a religião tornaram-se a garantia do poder despótico. No século III os monarcas haviam procurado ligar sua autoridade à corrente religiosa que prevalecia entre os soldados, acabando por criar uma divindade sincrética, o Sol Invictus. Quando Constantino venceu a disputa ao trono romano, implantou uma nova religião estatal como apoio à sua autoridade:o Cristianismo. Já em 311, o edito de Galério havia terminado com as perseguições anticristãs, desencadeadas sob Diocleciano. Com o edito de Milão, em 313, Constantino garantiu formalmente aos cristãos o direito de praticar livremente sua religião.
____A atitude pró-cristã de Constantino tinha um caráter eminentemente político, que se acentuou no decorrer do seu reinado. Muito além de suas convicções pessoais, tomou o Cristianismo como reforço ao seu poder e buscou atenuar a crise do Estado com a colaboração da Igreja, praticamente homogênea e organizada sob a liderança do clero. Fez-se rodear imediatamente dos adeptos de Cristo, nomeando o bispo Osio conselheiro para assuntos religiosos, chamou o escritor Lactancio para ser preceptor de seus filhos e, a partir de 323, levou os cristãos aos mais altos cargos do Estado - consulados, Prefeitura de Roma, Prefeitura do Pretório. Incentivou a construção de inúmeras igrejas que, só em Roma, somavam mais de quarenta.
____A ascensão do Cristianismo à condição de religião dominante resultou de um processo histórico de três séculos. A sucessão dos acontecimentos políticos que levaram Constantino e a Igreja ao poder proporcionou à cristandade ocasião de reformular sua própria visão da história. Num entusiasmo inicial chegou-se a imaginar que o Império Cristão era a imagem do Reino de Deus, materializado no mundo terreno. De fato, as instituições básicas do Cristianismo encontravam-se já bastante organizadas. A Igreja universal dividia-se em múltiplas comunidades locais, submetidas à autoridade do bispado, que se tornara o fundamento da unidade de um conjunto de instituições heterogêneas. Havia, entretanto, o poder civil consolidado na pessoa do imperador que, além de chefe da cidade terrestre, devia se considerar também um membro da sociedade espiritual. Como os problemas religiosos ocupavam um lugar primordial na vida terrena, o líder civil intervinha diretamente nas questões internas da cristandade: Igreja e Estado se interpenetravam. "Piedoso" e "Bem-Amado de Deus", o monarca romano tinha a responsabilidade de guiar o gênero humano à religião verdadeira. Tomava a iniciativa para convocar concílios, opinava sobre os dogmas e estabelecia a unidade. Os teólogos da corte chegaram a Ihe atribuir um poder episcopal extensivo a todo Império. Essa inter-relação da cidade terrestre com a cidade de Deus supunha uma concordância entre hierarquia eclesiástica e poder civil, particularmente a respeito do conteúdo da fé. Com a paz de Constantino, a Igreja iniciou um período de violentos debates teológicos, para definição da doutrina, os quais acarretaram inúmeras divisões na cristandade. Quando os imperadores tomaram partido, largos setores cristãos, inclusive bispos, seguiram com docilidade a proposta teológica da corte. O poder cristianizado, não obstante os atritos deu consistência temporal à autoridade eclesiástica. Sem o poderoso sustentáculo do Estado, o Cristianismo não teria progredido nem predominado tão depressa.
____Criaram-se em conseqüência, situações delicadas, sobretudo quando o corpo eclesiástico defendia a ortodoxia, solicitando o apoio do "braço secular" contra os heréticos. Nesse processo, a Igreja acabou por diminuir sua autonomia, na medida em que o Estado se atribuía autoridade dentro da organização religiosa, com direito a exigências e discordâncias. O próprio poder civil perdeu parte de sua independência. O imperador passou a sofrer a concorrência da autoridade religiosa, que freqüentemente Ihe impunha padrões morais estranhos à tradição paga, abalando o princípio de supremacia do poder laico. Por outro lado, os monarcas cristãos, como seus predecessores pagãos, consideravam a unidade religiosa um fator importante para a segurança do Império e, por vezes, reprimiam à força as dissidências que pudessem provocar dissenções políticas e desordens sociais. As perseguições aos heréticos e pagãos então iniciadas, assemelhavam-se muito à intolerância dos imperadores anticristãos. As relações entre Igreja e Estado nem sempre gozaram de paz. Em certas ocasiões os bispos protestavam contra a intrusão do Estado no domínio religioso. Osio de Córdoba escrevia a Constantino: "Não nos é permitido usurpar a autoridade imperial. Também vós não tendes qualquer poder no ministério das coisas sagradas". E, quando Valentiniano II quis entregar uma basílica ao bispo_ariano Auxêncio, Ambrósio de Milão declarava: "Não imagineis possuir um direito imperial sobre as coisas de Deus. Os palácios pertencem ao imperador e as igrejas ao padre". O bispo Atanásio de Alexandria, por defender a " Grande Igreja" contra os monarcas pró-heréticos, sofreu dezessete anos de exílio, cinco vezes, debaixo de quatro imperadores. Quando o Estado favorecia a posição ortodoxa, os mesmos prelados aprovavam a repressão aos cismas e heresias, e o zelo dos imperadores ortodoxos era celebrado como "simultaneamente real e sacerdotal".
____Desde Constantino, numerosos editos condenaram grupos de cristãos dissidentes. A disputa religiosa acabou por atingir o plano político, acompanhada de revoltas e desafios à autoridade imperial. Estabeleceram-se penas temporais contra várias seitas: multas, exílios, torturas, interdições aos cargos públicos e à aquisição de propriedades.

RESUMO EXTRAÍDO DA PUBLICAÇÃO DA ABRIL CULTURAL

"AS GRANDES RELIGIÕES "

Ver também:
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