Casamento:

João Ferreira de Moraes

Maria Rodrigues da Conceição

(1843 - ?)

35 anos em 1878 Janguetá-ES [56]
batizado em 04-06-1843 página 52 [37] (branco)


 

Filhos:

  1. Manoel Gonçalves Francisco de Moraes c.c. Felomena Luiza da Conceição Mattos, filha de Manoel de Mattos Badoca e Luiza Maria da Conceição


  2. Utilia Maria de Moraes c.c. João Soares Pinto Loureiro filho de Ignacio Pinto Loureiro e Leandra Soares da Penha
    Casaram-se no dia 11/09/1892, em Nova Almeida-ES, pelas 9 horas da manhã
    Ele com 23 anos de idade, lavrador e ela com 21 anos de idade, ambos naturais de Nova Almeida-ES
    Testemunhas: Manoel de Mattos Soeiro e Dionisio Soares Vidigal




  3. Anna Maria de Jesus c.c. João Rodrigues Bermudes


  4. Jose, batizado no dia 09/11/1879, na Igreja Matriz de Nova Almeida-ES
    Padrinho: Manoel Francisco de Moares

    [Batismo: NovaAlmeida B03-04.1877-01.1885 - Página: 51]


  5. João, batizado no dia 09/11/1879, na Igreja Matriz de Nova Almeida-ES
    Padrinhos: Alferes Jose da Rocha Coutinho Soeiro e Francisca Maria de Jesus

    [Batismo: NovaAlmeida B03-04.1877-01.1885 - Página: 51]


  6. (Certamente) Jorge de Moraes - Que junto de Manoel Moraes chegou de viajem a Manaus em 1906, conforme jornal abaixo


 

 


Bispo D. Pedro Maria de Lacerda

 


Diários das Visitas Pastorais de 1880 e 1886 à Província do Espírito Santo, redigido pelo Bispo D. Pedro Maria de Lacerda


[p. 143] – página 143 do diário das Visitas Pastorais de 1880 e 1886 à Província do Espírito Santo, redigido pelo Bispo D. Pedro Maria de Lacerda

http://www.estacaocapixaba.com.br/temas/historia/diarios-das-visitas-pastorais-de-1880-e-1886-a-provincia-do-espirito-santo-2/

 

Fundão

Terça-feira 14 de Setembro - 1880: Já passava de meia-noite, e estava começando o dia 14 de Setembro, dedicado à Exaltação da Santa Cruz. Fazia luar não muito claro, quando saímos de casa no meio do silêncio da noite, depois de termos rezado em casa o Itinerário dos Clérigos. Ao passarmos defronte da porta principal da Matriz, nos ajoelhamos sobre o limiar de mármore e dali adoramos o SS. Sacramento e lhe pedimos a bênção. Na casa vizinha do lado da estrada estavam todos acordados e nos vieram tomar a bênção. No porto havia alguma gente, não só homens mas até mulheres entre as quais a senho­ra do Português Comendador Eduardo de Melo Coutinho, que nos havia de acompanhar. Houve alguma demora em embarcarem-se as canastras, barracas e quanto se levava. Enfim depois de muitas saudações, e saudosos adeuses e boas viagens, todos nos embarca­mos. Em uma canoa (a única com tolda) fui eu e Pe. Teles, e dois meninos sacristães; em outra foram os dois Cônegos Tibúrcio e Amorim, e Pe. Couto e Pe. Vaughan (inglês), em outra foi o Vigário [p. 144] Casella com o Dr. Bastos Juiz de Direito e Sr. Mercier; em outra foi o Subdelegado do Fundão que é filho do Sr. Jose da Rocha Coutinho Soeiro (Juiz Municipal) e viúvo da moça que morreu quando eu cheguei a Almeida, bom moço (e sem cerimônia que se punha de pé no chão e nos servia), e na mesma canoa foi o Monteiro, moço que nos serviu muito em Almeida e encarregado do Cemitério da Vila, e também foi o meu criado Justiniano; na outra canoa foi a maior parte da carga, e cabo (soldado) que estava às minhas ordens na Vila. Era 1 hora e 10 minutos depois de meia-noite, quando largamos da praia da Vila Nova de Almeida. Pouco tempo estive acordado debaixo da tolda, e daí a pouco dei­tei-me como pude, e como pude abriguei-me do frio da noite que entrava pelos lados nas extremidades do couro que não chegava bem a toda a borda da canoa. Ao som compassado dos dois remos e no silêncio da noite, e de­pois do trabalho do dia peguei no sono uma ou outra vez ligeiramente inter­rompido. O Pe. Teles estendeu-se a meus pés e fora da pequena tolda os meninos sacristães se embrulharam como lhes foi possível. Os Padres e os mais, segundo depois soube, passaram como puderam, sofrendo os incômo­dos inevitáveis em canoa pequena e sem tolda a navegar de noite: e por cima houve alguns chuviscos. Às 6 ¼ todas as canoas achavam-se juntas, e todos contavam suas pequeninas aventuras dos incômodos da noite, mas isto com alegria e júbilo da alma, que muitos poderosos em seus cômo[p. 145]dos Palácios buscam em vão sem terem nem sentirem. Aí ninguém desembarcou nem era possível porque as margens eram baixas e de brejo e o mesmo estava quase coberto de aguapés, mínguas e capim-açu. Em uma das canoas o Sr. Mercier fez café que todos tomamos com alguns biscoitos. Quando saí da tolda e estendi a vista em roda, e vi as verde-escuras matas fechadas que se levantavam junto às margens do rio e os verdes aguapés e capim-açus e mín­guas que apenas deixavam um estreito e tortuoso canal para as pretas águas do rio, e vi as 5 canoas juntas, e todos alegres, senti indizível prazer muito de dentro d’alma. Avistavam-se as serras ou morros do Genguetá, Mucuratá e Taubira. Às 7 horas e 42’ estávamos nas duas bocas, onde se reúnem os rios Fundão e o Sauanha, que juntos formam o Reis Magos, que na Vila lança-se no mar. O mapa da Província por Cintra e Rivière chama Timbuí aos Reis Magos, mas aqui o povo chama Timbuí somente à parte superior que abaixo se chama Sauanha, e que misturando-se com o Fundão forma com este o que se chama Reis Magos. Ali paramos e desembarcamos, tendo à nossa esquerda o Sauanha e à nossa direita o Fundão. Em vão procuramos com os olhos a tal serra das Perobas que o dito Mapa sem cerimônia pespega ali na conflu­ência onde em vez de tal serra há planícies. Aí nos demo[p. 146]ramos um quarto de hora e às 8 horas entramos a navegar pelo estreito Fundão, e às 8 ¼ passávamos o grande lajedo chamado Tocaia, sobre o rio tendo atrás uma grande planície e descampado. O nome de Tocaia vem segundo dizem de que antigamente os índios ali esperavam os viandantes para melhor acometê-los, e certo é que o lugar bem se presta a uma boa emboscada naquele sítio estrei­to e tortuoso. Às 8 h e 40’ passávamos o Jacaré-mirim e às 8 48’ chegamos ao sítio chamado Bexigas, porque por ali morreram muitos de bexigas; mas o novo proprietário deu-lhe o nome de Lapa. O dono é o Sr. Jerônimo, chefe daquela numerosa família de 16 filhos que me visitou na Vila, e que o Vigário Casella muito elogiou, e com toda a razão. Esta família é cristã prática, e o que é raro nos sertões do Brasil chega-se aos Sacramentos algumas vezes no ano, não se contentando só com a desobriga. O pai e mãe desta numerosa família são duas pessoas sérias e graves, e o mesmo se dirá de suas muitas filhas e filhos, que todos trabalham sem terem escravos e tão bem, que o Sr. Jerônimo nada deve, é um dos mais abastados e solidamente abastados do Município, tendo estas terras aqui e casa na Vila onde se recolhe quando lá vai. São pardos, mas honradíssimos e Cristãos e muito amáveis e corteses. A sala da pequena casa estava forrada de pano branco no teto e nas paredes, e com algumas flores e folhagem: perto da casa o Sr. Jerônimo edifica outra maior para sua numerosa família. [p. 147] Ali nos serviram um abundante almoço com fartura e muito asseio, e notei que os talheres eram novos e de ferro, o que me fez lembrar o Sr. Bispo D. Viçoso que em sua Chácara da Cartuxa junto a Mariana tinha talheres semelhantes o que eu contei aos pre­sentes. Aqui bebemos leite puríssimo e saboroso. Depois de algum descanso partimos às 11h 11’ havendo repartido algumas medalhas. Devo declarar que só depois de partir é que soube que o Sr. Jerônimo e família era a que me havia visitado em Almeida, e sido louvada pelo Vigário. Senti até porque em Almeida a senhora me havia mandado uma caixa de tabaco [em] pó torrado por dizer-lhe eu que gostava até para evitar as feridas que me faz o rapé e estar cansado de tomar amostrinha. Às 11h 27 começávamos a passar pelo sítio e sertão do Furado, que vai até o Abaú. A meio-dia estávamos nas pe­dras do Jundiaquara, e ¾ depois chegávamos ao porto do Piranema, onde mora uma mulher que havia revalidado seu casamento em Almeida: a pobre estava na praia e me saudou com muita afeição e meteu-se n’ água para beijar­-me a mão. À 1h 6’ parávamos no porto da Estacada ou do Juca Ferreira, que é o dono da Fazenda e Engenho que ali há. De passagem notarei que nesta Província tenho achado o singular e alhures desusado costume de chamar Juca aos Joãos, e não aos Joses, cujo diminutivo é Zezinho. Na Estacada al­gumas mulheres e meninos meteram-se n’água para me beijarem o anel; e daí a pouco apareceram alguns cavaleiros e o mesmo Sr. Juca Ferreira [p. 148] que me ofereceu descanso em sua casa, o que agradeci. Nesse porto espera­mos uma meia hora, que chegassem as mais canoas, que vinham atrasadas, porque o rio é estreito e tortuoso, estava com pouca água, as canoas pegavam às vezes, sendo preciso saltar n’água para desembaraçá-las. Poucos maribon­dos encontramos mas não nos molestaram, e os paus caídos debaixo dos quais passávamos abaixando a cabeça não nos estorvaram nada a navegação. Gostei de ver os índios beber água no rio, porque metiam a mão n’água e do rio mesmo atiravam com a mão uma boa porção d’água na boca, como fazem os Mineiros quando comem farinha. À 1h 37 reunidas todas as canoas parti­mos. Por terra daí [a]o Fundão a distância é pouquíssima e é um passeio a pé, mas pelo rio há voltas e por isso só às 2 ½ estávamos com a Capelinha ou Casa de S. Benedito à vista, o que nos alegrou porque já estávamos cansados de navegar há mais de 12 horas. Já quase no porto do Fundão fiz parar um pouco minha canoa para esperar as outras, e daí a pouco abicávamos no de­sejado porto do Fundão. Houve alguns foguetes em pequeno número. No porto à sombra das frondosas árvores que cercavam o porto estavam, entre homens, mulheres e crianças, umas 70 ou 80 pessoas, quase tudo índios, com o Capitão Jose Maria dos Santos meio fardado, que me receberam com gran­des mostras de respeito e contentamento e afeto: houve um beija-mão geral. Os índios formaram duas compridas filas e eu com os Padres sem mais so­lenidade fomos subindo uma comprida e bastante íngreme ladeira de terra com bastante custo por estar fazendo muito calor. Na assentada do alto havia alguns coqueiros fincados no chão, um tosco arco de folhas à porta da Cape­la ou antes casa que serve de Capela. Entramos, fizemos oração e tratamos de nos acomodar. A Capela é como [p. 149] uma grande sala forrada de pa­lha? e no fundo da sala há como um pequeno quarto onde tinham preparado o altar. Ao lado da Epístola há uma porta que dá para outra sala grande des­tinada para Sacristia e para um quarto para o Vigário quando aqui venha; mas tudo estava aberto, e só agora haviam forrado de palha. Nesta sacristia aco­modaram-se algumas camas, e esteiras, como também na sala onde estava o oratório, e os Cônegos, e Vigário e Padre Inglês e outros como o Dr. Juiz de Direito e Comendador Mercier acomodaram-se como puderam. Para mim e Teles armou-se minha barraca ao lado da Sacristia e dentro armaram-se as duas camas de campanha que eu trouxe. Os índios e outros acomodaram-se em uma única casinha ali existente e que servia para cozinha, e em uma ou duas outras casinholas ou choupanas não concluídas, e outros tinham de passar e passaram ao relento em roda do fogo, ou procuraram as choupanas dos sítios mais próximos. Nos dias de sol fazia calor intolerável dentro da barraca e por toda parte, e nos dias e noites de chuva a água umedecia o pano da barraca e passava para dentro e na Sacristia cada um se livrava como po­dia. Abriu-se uma passagem para fora sem passar pela sacristia e a porta era um pano com uma pedra na ponta. Já se vê que faltavam todos os cômodos, mas tudo se passou alegremente. Para o jantar, havia uma pequena mesa; nesta se punha parte da comida, e outra parte sobre a esteira [p. 250] de um catre que se aproximou da mesa e na ponta deste catre em outro fronteiro assentavam-se o Exmo. Bispo, Cônegos, Vigário, parente de 3 Prelados Ingleses,24 Dr. Juiz de Direito e Comendador Mercier. Por aqui se faz ideia de tudo mais. E tudo passou, e ao escrever essas linhas sinto saudades desse tempo. Ao anoitecer cantou-se alguma coisa mui desentoadamente, e eu as­sentado junto ao altar fiz uma prática ou sermão.

Quarta-feira 15 de Setembro - 1880: Hoje dia de têmporas e de jejum e todos guardamos o preceito da Igreja como era mister. Disse Missa e mais 4 dos Padres, e ainda ouvi a do Pe. Teles. Muitas confissões houve hoje. À noite de­pois do canto do Bendito preguei, mas onde? No vão entre o quarto do Orató­rio e a parede havia o espaço exatamente do comprimento de uma cama que ali se pôs para um dos Padres dormir à noite, e eu mandei pôr umas varas nas tábuas da largura da cama e estender ali umas colchas e eis o púlpito, e eu de pé sobre o catre, encostado às tais varas, preguei hoje e nos mais dias, e certo é que o efeito do acionado e da mesma expressão é melhor do que quando prego assentado, do que pouco gosto. Esta noite o Pe. Casella foi chamado para um doente, que felizmente não estava ainda desenganado. Neste dia aviei 1 casamento de gente amancebada para o Vigário Casella fazer por si ou por outro Sacerdote de sua licença.

Quinta-feira 16 de Setembro - 1880: Disse Missa e dei comunhão a 53 pessoas, graças a Deus, e lhes fiz uma boa prática antes de dar-lhes as sagradas par­tículas. Houve mais 4 Missas com mais 6 comunhões. Houve 1 Casamento recebido pelo Pe. Teles [p. 151] com licença do Vigário, eu assisti e depois ouvi a Missa celebrada pelo Pe. Teles. Aviei outro casamento de amanceba­dos. Reparti muitas verônicas e Rosarios, o que foi todos os dias duas e mais vezes: e oh! com que empenho pediam e com que alegria recebiam e com que devoção iam logo enfiando no pescoço! Boa gente! Nunca deles me esquecerei! Preguei de tarde como ontem e crismei 174 pessoas, já se sabe excluídos amancebados e maçons (se os houvesse). O Sr. Juca Ferreira fez cessão e doação de todo o morro de S. Benedito em que está a Igreja, estando por todas as cláusulas que eu entendesse. Adiante copiarei o papel da doação para constar. Agora farei algumas advertências. Os índios aqui já tinham sua Capela, mas a queriam reedificar, assentaram porém ser melhor fazer outra, e queriam também um cemitério para evitarem o imenso trabalho de levarem os cadáveres a Almeida que é longe, sem falar-se nas dificuldades de achar canoas e remeiros e das enchentes do rio em tempo de chuvas. Quando me falaram, eu lhes disse que deveria fazer-se patrimônio ou pelo menos (atentas as circunstâncias) haver quem fizesse doação de terreno: então me disseram que já nisso haviam pensado e até conseguido do Juca Ferreira a promessa (agora cumprida) da cessão e doação do morro, que não é pequeno, mas que não faz falta ao dono, o mais abastado homem do Fundão e que tem muita terra, e que não perdia muito porque aqui os terrenos são baratíssimos, e até houve quem avaliasse todo o morro em 50$00 (cinquenta mil réis) quando muito. Eu disse aos índios que apesar de sua muita devoção a S. Benedito eu desejava que a Capela fosse em honra do SS. Coração de Jesus, e que morro e sítio se chamassem não S. Benedito do Fundão, mas SS. Coração de Jesus do Fundão; eles cederam sem nada replicarem, não sei porém se a coisa foi muito do seu gosto; [p. 152] porque é para mim inexplicável a extrema de­ voção dos índios a S. Benedito, a quem fazem mil promessas, dão esmolas de dinheiro e cordões de ouro, fazem festas mas com batuques e muita ca­chaçada a caírem no chão! Devoção mal entendida desta pobre gente! Ao Sr. Juca Ferreira disse que no papel da doação declarasse que o morro era dado para nele edificar-se uma Capela em honra do SS. Coração de Jesus, mas para contentar aos índios disse-lhe que no mesmo papel declarasse que haveria na Capela altar, nicho ou pelo menos imagem de S. Benedito. E tudo se fez como disse. Como o primeiro papel me pareceu algum tanto escuro fiz que se escrevesse outro com a mesma data mas com cláusulas mais claras. Como tudo era de boa vontade, tudo se fez. O Dr. Juiz de Direito Dr. Bastos foi ouvido na redação do papel, e o Comendador Mercier. Muito foi o calor que fez hoje, e na barraca era intolerável de dia, mas a noite esta como as outras foi fresca. Durante o calor o Dr. Bastos e Mercier às vezes iam para o porto e ali se deitavam nas canoas para estarem mais ao fresco. De tarde tudo era mo­vimento e trabalho nos preparativos para amanhã fazer-se a solene Bênção da primeira pedra da nova Capela. Depois de muitas combinações escolheu­-se o terreno, roçou-se o local, alimpou-se o chão, tomaram-se as dimensões, riscou-se o perímetro, trouxeram-se palmas do mato e fincaram-se em redor, preparou-se e fincou-se a Cruz que segundo o Pontifical deve na véspera colocar-se onde será o altar-mor, e trouxeram-se varas para ficar cercado todo o circuito. Já se vê que muito trabalhou-se, e neste trabalho cada qual mais se distinguiu, sem excluir o Dr. Bastos Juiz de Direito e o Comendador Mercier. A alegria era geral e todos estavam santamente alvoroçados. E havia muito que fazer ainda [p. 153] relativamente ao Cemitério, e porque faltava o turíbulo, expediu-se por terra em razão de ser muito perto um próprio para a Vila a fim de ter tempo de trazê-lo para depois de amanhã, fixado para a Bênção do Cemitério.

Sexta-feira 17 de Setembro - 1880: Hoje Sexta-feira dia consagrado ao SS. Coração de Jesus fez-se com toda solenidade a bênção da primeira pedra da nova Capela em honra ao SS. Coração de Jesus. As solenidades as temos já descrito. No oratório de S. Benedito tinha havido 4 Missas e 37 comunhões. Eu depois da Bênção disse Missa junto à Cruz colocada no lugar do futu­ro altar-mor. Terra de índios, palmeiras em redor, e à sombra delas grande número de descendentes dos antigos habitantes da floresta, gente batiza­da pela Igreja e civilizada pelos Jesuítas pregoeiros do Evangelho, Missa a mesma que Fr. Henrique celebrou e em Porto Seguro, Credo o mesmo que ele explicou em 2500, um Pedro Bispo rodeado de índios não para comê­-lo como os Caetés fizeram ao primeiro Bispo do Brasil D. Pedro Sardinha, mas confessados, comungados e trabalhando com suas mãos para levantar-se um templo em honra do Coração de Jesus Cristo e do humilde S. Benedito, Cônegos, Vigário, um Padre Inglês com manos Bispos Católicos na Austrália e na Inglaterra, oh! Deus, tudo isto arrebatava, enlevava e enchia espírito e coração de sentimentos em extremo complexos e inefáveis! Eu assentado no faldistório preguei aí mesmo ao ar livre junto ao altar portátil levantado à sombra das palmeiras do mato. Depois da Missa cantamos alguns versos ao SS. Coração de Jesus, como aqui e em outros lugares tenho cantado. Oh! é em Jacuacanga que melhor sabem cantar esses versos. Por assim [p. 154] ser julgado mais próprio das circunstâncias presentes, a pedra depois de benta foi carregada por quatro índios, entre os quais o Capitão. Senti vontade de rir quando vi o meu Capitão de chinelos em tal ocasião! Certo porém é que ninguém mais deu pelos chinelos. Tenho benzido já 5 vezes a 1ª pedra para Igrejas do Coração de Jesus, em Monsuaba e em Parnaioca, ambas na 1ª Visita, no Seminário do Rio Comprido e na casa das Irmãs de caridade de Botafogo na Corte, e agora aqui no Fundão. Oxalá o Divino Coração cumpra em mim o que seus devotos esperam!! Muitos Rosarios se repartiram hoje, e este mesmo repartir por mão do Bispo aproxima as ovelhas a seu Pastor e aperta mais os laços de amor que deve entre eles haver e torna depois mais dolorosa e saudosa a despedida e a ausência, mais deixa profundas e santas recordações. Tendo eu notícia de alguns doentes destas vizinhanças insisti que os trouxessem e prometi pagar a quem os trouxesse em rede até seus portos e em canoas até aqui. Vieram uns 2, e não foi preciso que eu pagasse. Apareceram-me hoje aqui 2 homens pedindo-me para eu mandar-lhes botar alguns pingos d’água benta, que eles há muito tempo não tomavam, eles que há muitos meses não têm visto Igreja e nem Padre. Pelas explicações dadas soube que são Mineiros e que há muitos meses andam a trabalhar nos matos e terrenos desta Província, porque os jornais são maiores que em Minas, e assim estavam sem verem ato nenhum de Religião. Oh! estes rústicos sabem melhor que certos filósofos que erradamente pensam que ao homem dotado de espírito e de corpo basta só o espiritual sem haver necessidade de culto nenhum externo. Pobres filósofos, devem saber que sem pena, papel, giz, lápis, figuras e algarismos, nosso espírito pouco ou nada faria com ciências, ainda as matemáticas todas armadas de teoremas e de demonstrações abstra­tas! Apesar de todos estes sinais de piedade eu [p. 155] a princípio pensei que eram homens fugidos ou facinorosos, como outros que fogem dos sertões 130 Volume 1 - 14 de julho a 11 de novembro de 1880
de Minas e vêm-se acoitar nesta Província do Espírito Santo. Começou de tarde nosso grande trabalho para o cemitério. Custou-se em assentar-se no local, e depois tomaram as dimensões para ser vasto, deram-se ordens para se roçarem os arbustos que cresciam nessa localidade, e queimarem-se todas as ervas e espinhais, determinou-se que fizessem uma cerca pelo perímetro do futuro cemitério; continuou-se a trabalhar nas cinco cruzes que o Pontifical exige para o ato e se tomaram todas as providências para trabalhar-se ainda mesmo de noite de modo que tudo ficasse pronto para amanhã. Se o Dr. Bastos e Mercier trabalharam na Igreja, mais no Cemitério, porque grande parte da noite estiveram a dirigir os trabalhos e apressar sua conclusão. Mas antes de entrada a noite assentou-se em ir buscar pedra para a nova Igreja. Toca a chamar a gente que por tal não esperava; o Pe. Vaughan entusiasmado do que via e de tantas boas disposições andava de um lado a outro batendo palmas e em espanhol a chamar o povo para as pedras. Lá fomos todos, eu, e Padres, Dr. Bastos, Mercier, homens e mulheres e crianças. Aqui a pedra não é muita nem fácil, assim mesmo demos duas caminhadas, e trouxemos pedras de todo tamanho. Alguns levavam às costas grandes pedaços, outros menores, e às vezes era preciso cavar terra para arrancar a pedra; outras vezes se tomava uma padiola ou se fazia uma com varas e dois homens carregavam a volumosa pedra. E tudo era alegria e boa vontade, e de vez em quando foguetes subiam ao ar e animavam os devotos trabalhadores. Se mais pedras houvesse perto, mais caminha[p. 156]das se fariam, mas estavam longe e pe­las margens do rio, e já era tarde e a lembrança não foi cedo. Assim mesmo se deixou um bom montão de pedras e recomendou-se que de vez em quando trouxessem pedras. Eu para animar não só com palavras e com o exemplo, quis animá-los ainda mais com dinheiro, que é argumento poderoso, e dei 100$000 para Capela e Cemitério que entreguei ao Vigário. Ainda preguei à noite no Oratório e crismei 42 pessoas, e neste dia aviei outro casamento de gente amancebada para o Vigário casar, o que fez aqui mesmo.

Sábado 18 de Setembro - 1880: No Oratório 4 Padres celebraram e deram comu­nhão a 15 pessoas. O dia amanheceu chuvoso, mas deu tempo a se fazer a função com todos os ritos do Pontifical. Apesar de todo o trabalho da noite no lugar do cemitério antes com espinhos e arbustos e raízes, contudo ainda de manhã houve alguma coisa que fazer e a função começou um pouco mais tarde do que eu esperava, pelo que se retiraram com pesar deles e meu o Dr. Bastos e o Pe. Vaughan, este porque devia chegar o quanto antes à Vitória para seguir no próximo vapor para a Corte, aquele porque devia dar audiên­cia que estava marcada para este mesmo dia. Pelo Pe. Vaughan mandei cartas para o Rio e o resto das notícias da visita da Vitória com muitas outras notí­cias da Cidade, que tanto me custaram a escrever em Almeida. O ato da bênção do Cemitério esteve bem solene e devotíssimo, parte rezado e parte cantado, e começou por uma prática ou sermão como prescreve o Pontifical sobre a santidade e independência do Cemitério, e disse a verdade bem clara, salvando o direito sem me importar com os fatos abusivos em contrário. Depois vim processionalmente ao Oratório onde celebrei e dei comunhão a uma pessoa. Neste dia e mais de noite para amanhã também choveu! Oh! desde Junho tem chovido muito e já es[p. 157]tou ou devo estar acostumado com as águas do céu, às vezes a intervalos, outras vezes a cair horas e horas com mais ou menos abundância. Paciência. De tarde resolvi a dar um passeio pelo Fundão acima e levei alguns Padres e o Comendador Mercier. Como o rio levava pouca água, apesar de um pouquinho mais crescido, a canoa pega­va de vez em quando, quer a em que eu ia, quer a em que iam outros, e assim os remeiros pulavam na água. Como as canoas eram duas, iam de vez em quando à competência, como sucedeu em tais casos, o que fazia que todos estivessem entretidos e alegres, vendo os alegres desafios que se faziam os da vara que levavam as canoas. Em alguns lugares o rio é mui apertado e entre pedras, em outros se alarga mais; e há um em que o rio é de água preta e tem muita fundura e daqui provém, disseram alguns, o nome de Fundão que tem todo o rio. Será por isso? Não sei. Aos lados fomos encontramos [sic] algu­mas choupanas de palha e pobres e quase sempre arvoredo em ambas as margens. Em um ponto na margem esquerda passamos por um imenso mor­ro de pedra preta cortada quase a prumo sobre o rio, onde havia muito suma­ré ou gravatá que a esmalta, seu nome parece-me que é Crubixira ou palavra semelhante. O passeio não foi longo por não haver tempo, mas foi divertido e nos aliviou do trabalho pesado. Depois do passeio e à entrada da noite ainda preguei, tendo cantado antes alguns versos do Coração de Jesus, como muitas vezes uso, além ou em lugar do Bendito. Hoje ainda aviei os papéis para o casamento de três pares de amancebados para serem recebidos pelo Vigá­rio Casella. Agora tenho a dizer alguma coisa sobre meu estudo da língua indígena. Estando eu na primeira visita e reparando que muitos nomes de lugares são indígenas, dese[p. 158]jei conhecer-lhes a etimologia, e resolvi não sair para visitas sem algum Dicionário que tratasse da língua: assim na segunda visita tive comigo um Dicionário composto e impresso em 1853 no Pará com o título Vocabulário da língua indígena geral para uso do Seminário  Episcopal do Pará oferecido ao ... Bispo da Diocese Paraense pelo Padre M. J. S. (talvez Seixas?... segundo julgo ter ouvido dizer, mas não me recordo bem). é para saber que a Cadeira de língua Indígena Geral foi criada no dito Seminário por Decreto de 10 de Outubro de 1851 e o Padre abriu a aula a 19 de Novembro desse mesmo 1851 (Vide a Dedicatória e Advertência). Não me lembro se já possuía este Vocabulário, certo é que na segunda visita escrevi a meu finado querido e saudoso amigo Antonio Jose de Melo para me mandar alguns livros sobre a língua Indígena e ele mandou-me o Dicionário Guarani-Espanhol do Padre Montoya, e a Gramática pelo Dr. Couto de Maga­lhães, meu antigo discípulo. Na Visita de Itacuruçá já disse que comecei o estudo da língua pela Gramática do Dr. Couto. Agora nesta Visita trouxe os três ditos livros e em Vila Nova de Almeida começando a ver mais índios, fiz uma rápida repetição do que eu já estudara. Era a primeira vez que eu ouvia gente que ainda falava tal língua: pus-me então a confrontar o que lia com o que ouvia, a notar algumas diferenças, a perguntar por novos nomes, a dizer algumas pequenas frases, enfim comecei a tratar de conhecer e aprender e falar a língua. A cada índio ou índia que me visitava fazia perguntas e com ele queria aprender. Vieram índios velhos e índias velhas a falar comigo ou por mim chamados ou mandados pelos que conheciam meu desejo de apren­der; e até [p. 159] me mandaram um cariboca que sabe falar ambas as línguas. Tive a paciência em Almeida e ainda mais no Fundão de procurar palavra por palavra os termos do dito Vocabulário do Pará, notando as palavras que são as mesmas, e escrevendo as que variam na pronúncia, e até acrescentando algumas outras não só palavras, mas até pequenas frases. Reparei que a maior parte das palavras do Vocabulário são idênticas, algumas são as mesmas com algumas ligeiras variações ou de acrescentamento de alguma sílaba ou au­mento ou diminuição de alguma letra: assim homem no vocabulário e na Gramática do Dr. Couto é Apgaua, aqui porém todos dizem apuáva. Falar aqui dizem Mumbeú em lugar de mumeú. Notei que o que no Pará escreveram com b aqui pronunciam como v (como sucede entre Portugueses e Brasileiros) e também achei que às vezes aqui em vez de ti do Vocabulário dizem tchi (à italiana). Exemplos: em lugar de tin (vergonha) dizem Tchin; em lugar de aua­tí (milho) dizem avatchí. Há palavras do vocabulário que aqui se dizem mas não na mesma significação; assim aqui galinha não se chama Sapucaia (como no Vocabulário) mas sim Arinhama; ficando sapucaia para significar o chamar com grito. Há palavras do Vocabulário aqui ignoradas; assim não conhecem a palavra curassé para significar sol, mas ao astro do dia dão o nome de Ara, que também significa dia. As negativas Intio, do Vocabulário e Intimahã do Dr. Couto aqui os índios as ignoram de todo, e com grande admiração minha, vi que para a negação empregam as negativas que se leem no Dicionário de Gua­rani [p. 160] do Pe. Montoya, e do mesmo modo, a saber, Na, indá, , prefi­xos, e na ani fora de composição nos verbos. Fiz muitas vezes comparação entre o Guarani e a língua dos índios aqui, e vi muitas relações, grandes afi­nidades e não poucas vezes perfeita identidade. Ichi intimahá potári (eu não quero) os índios aqui dizem Ichi na (ou ) potári e do primeiro modo não entendem. Entre o dito vocabulário e a língua aqui falada às vezes as diferen­ças são completas entre não poucas palavras; o mesmo direi em relação à Gramática do Dr. Couto. Nas muitas vezes que perguntei a muitos como se dizia Deus, nunca me disseram Tupan somente, mas sempre Eane iara (ou) Eane (ou) Inderuva Tupangaturana (Nosso Senhor (ou) nosso pai Tupã virtuo­so). Vê-se respeito na expressão, e para mim é isso devido aos ilustres Mis­sionários Jesuítas, ensinando a tratar a Deus com mais veneração. Para mim a ótima influência aqui dos Pes. Jesuítas se vê na expressão Tupana rêcê para agradecer e vale o nosso muito obrigado, trate-se de coisa importante ou de um pequeno presente. Ora Tupana rêcê perto da letra é: por causa ou amor de Deus. é expressão cristianíssima, e até mística que os mesmos Frades e dos mais devotos, não empregam. Por mais que fiz não pude obter outra palavra, e vi que a palavra Muquêcatu que vem no Vocabulário do Pará para significar agradecer é aqui ignorada. Não é só nas expressões que vejo a boa influência dos Padres Jesuítas e o grande e profundo bem que aqui produzi­ram nos índios, hoje mansos, de boas maneiras, e amorosos... é pena que pela cachaça se percam, e que apanhando dinheiro, logo gastam tudo, e sejam de natureza indolente! Mas quantos grandes edifícios levantaram em tempo dos Jesuítas, edifícios que ainda hoje admiram! Portanto trabalharam. Meu Deus, e que inúmeras maravilhas não fariam os Jesuítas, se não fossem os maus exemplos de alguns Portugueses, e o ódio do tal Pombal! Bem avisados andaram os Padres querendo que os índios falassem índico quanto fosse possível e não Português, para assim estarem menos sujeitos ao pernicioso influxo dos vícios dos Portugueses; mas este ótimo alvitre foi oficialmente classificado de invento diabólico como li em um documento do Arquivo da Câmara de Almeida! A aldeia dos Reis Magos hoje Vila Nova de Almeida por si só é uma peremptó[p. 161]ria demonstração de quanto os Jesuítas foram superiores aos nossos homens de hoje que não são capazes, façam o que fi­zerem, de elevar Almeida à altura do que já foi quer em população, quer em fartura, quer em progresso qualquer. Hoje todos lamentam aqui que se deixe cair em maior ruína as paredes de pedra do Colégio, que servem de Câmara, e que se não existisse não haveria casa digna de uma Câmara Municipal; to­dos vendo a grossa torre, e a vasta Igreja, com portadas de mármore branco nas 3 janelas da frente, da porta principal e da outra lateral, exclamam: Oh! hoje não se é capaz de outro tanto, nem sequer de conservar. Os índios viam castiçais, e alâmpadas de prata, que a Província mandou recolher na Vitória: e mais alguma outra prata que existe ainda na Matriz... E o que bem poucos sabem, em Almeida havia tipografia, e quem compusesse com os tipos, mo­vesse o prelo e imprimisse livros. Isto se prova com o que escreveu o Sr. Bispo D. Jose Caetano no Relatório de sua Visita de 1812, que trago comigo escrito de sua própria mão – falando da Freguesia do Rio Doce (Linhares). Contando certo caso sucedido no Riacho diz o Sr. D. Jose: então vim no conhecimento que na Freguesia de Almeida havia muita gente no mesmo estado em que a deixaram os Jesuítas, que não consentiam, que estes índios aprendessem o português, sujeitando-se antes eles a aprender o Brasílico, de que tinham feito a principal Escola no Colégio desta Aldeia, aonde ainda hoje existem alguns livros, que eu vi, manuscritos e impressos aí mesmo, de Cânticos, de Histórias, de Doutrinas etc. e um Catecismo de 400 páginas em 12º. E pergunto quantas tipografias havia então na Bahia e Rio de Janeiro e no res­tante do Brasil? Se prelo prova cultura, civilização e progresso, temos que os Jesuítas deram tudo isso a Almeida, sem que os modernos civilizadores pos­sam dar-lhe outro tanto! Sinto não poder estender mais este escrito, e que vá tão mal redigido, com interrupções a cada passo, sem ordem, sem alinho: assim me entendam depois. Concluirei dizendo que encontrei índios que me disseram que suas Avós falavam nos Padres da Companhia. Concluo dizendo o mesmo que meu Antecessor D. Jose no Relatório da Visita da Vila Verde (da Bahia então do Bispado do Rio): Cada vez tenho mais paixão por índios, exceto a sua preguiça e desmazelo – e eu ajuntarei a sua beberreira.

Domingo 19 de Setembro - 1880: Disse Missa e ainda houve mais 5, a saber dos 2 Cônegos, do Vigário, e dos PP. Teles e Couto, e estes deram comunhão a 16 pessoas. O meu criado Português – Justiniano – amanheceu a sofrer muito de cólicas, mas passou-lhe o incômodo no correr do dia. Tive muita pena e ao mesmo tempo edificação de ver aqui uma mulher branca com seu marido ou filho (não me lembro agora) e uma preta forra penso que viúva, mas ainda moça, e um menino, que tinham vindo desse fundo dos sertões de S. Rosa, e tinham apanhado muita chuva de noite, e aqui chegaram [p. 162] cedinho com desejo de confissão, comunhão e Missa. Coitados! Oh! que escusa tere­mos nós de não querermos sofrer um pouco para fazer um outro tanto. Na falta de limites no centro destes sertões só agora habitados, eles não sabem a que Freguesia pertencem, nem me puderam a tal respeito esclarecer. Valha­-me Deus! Isto dói-me e me traz embaraços sérios para a administração Dio­cesana – e o que é pior, é impossível conhecerem-se os limites das Freguesias. Antes era tudo sertão desabitado, bastava saber um ou outro ponto no mar; hoje os sertões são em parte habitados!... Quis hoje medir de novo Cemitério e Igreja, mas agora que escrevo não me lembro das dimensões do Cemité­rio, sei porém que é vasto; e da Igreja creio que a largura é de 35 palmos e o comprimento é de 70 palmos, acrescentando-se mais 10 até o fundo de um semicírculo destinado para o presbitério e altar-mor. Ainda hoje tomei lições de língua, e devo confessar que achei no Fundão um índio que tal não parece e que sabe bem índio e Português, e de quem melhor aprendi e que soube melhor entender-me. Não obstante não pude ainda saber os modos de dizer passivos; eu não lhes posso fazer perguntas em termos gramaticais, e a língua índica por anomalia singular não tem o verbo substantivo correspondente ao verbo ser, e não tem voz passiva, mas formam o passivo com certos prefixos, segundo diz o Dr. Couto e eu não sei como designá-los. Também acho difi­culdades para perguntar sobre certos modos de verbos, preposições e tudo quanto é um pouco mais abstrato. E que fazer? O que é mais fácil é perguntar nomes de objetos sobretudo materiais e certas frases mais fáceis. Oh! se eu pudesse ficar com os índios três meses! Então aprenderia, julgo eu. De tarde preguei e depois crismei 11 pessoas. No sermão falei em sair e fiz minha des­pedida. Pobres índios! Desataram a chorar e a soluçar mui de coração, como devo pensar visto o muito amor que sempre me têm mostrado em Almeida e aqui. O tempo tinha melhorado, e até aparecia a lua. Perguntei por que até hoje os índios não tinham cantado nem tocado seus guararás e dançado, e me foi dito que receavam incomodar-me. Então disse que visto estar tudo acabado e com tanto fruto era justo que se divertissem não toda noite mas uma até duas horas. Ficaram alegres e vieram todos para defronte da pequena Capela, e eu quis assistir assentando-me ali em um banco, com os Padres. Fi­zeram uma boa foguei[p. 163]ra, de cavacos, que pouco durou e não se fazia necessário porque a noite estava clara e fazia algum luar embora embaçado. Sobre seus guararás assentaram-se os tocadores que eram três, atrás outros arranhavam com varinhas os dentes de seus cassacos [mas] faltou a massacaia ou chocalho. Começou a dança o Capitão, mui seriamente com sua cortesia e barretada antes e depois, e sua varinha com fitas enroladas mui garbosamente empunhada como um capitão a marchar com espada em punho. A dança é mui modesta e decente; consiste em algumas piruetas, sem saltos, elevação do pé estendido para diante, algum cruzamento de pernas, e sapateados. Outros índios e não índios dançaram mas a dança não foi puramente índica mas já com mistura de dança de negros, com mais animação, alguns saltos, muitos cruzamentos de pernas, que também às vezes separavam e logo uniam, e que outras vezes arqueavam. Dois meninos dançavam assim mas com muita graça. Quando um acaba aponta outro, que deve apresentar-se pertinho ante os guararás e dali começar a dançar. Houve também dança geral de roda, em que fizeram um grande semicírculo em que entraram homens e mulheres. Esta dança é mais animada, ora vão em roda, ora passam uns pelos outros, ora ao meio vão 3 ou 4 e ali trocam entre si os lugares, ora vai 1 ao meio e ali faz seus passos e vai buscar outro que passa para o meio, ficando o do meio em seu lugar. Tudo isto foi feito sempre ao toque dos guararás e som do monótono canto, mas com graça, alegria, e o que mais louvo, muita de­cência. Bem vi e vejo que pode haver abusos, mas nada houve então, nem outras vezes que o Vigário tem assistido. Também algumas mulheres índias dançaram. A que dançava chegava-se diante dos guararás e começava dali. A dança é mais recatada que a dos homens; consiste em esfregar os pés no chão andando aos passinhos para diante e para trás sem trejeito nenhum. O chiste está em ter às vezes a cabeça caída para um lado como se quisesse olhar para os pés, e em ter os braços até o cotovelo caídos e o antebraço um pouco recurvado, balançando um pouquinho o braço para diante e para trás. Assim se passaram cerca de duas horas, até pouco mais das 10 horas da noite e todos se recolheram, para poderem acordar cedo e cuidar da partida. Da minha barraca eu ouvi a um índio dizer a outro: quando aquela estrela esti­ver acolá são três horas – por onde com bem razão diz o Dr. Couto que os índios mais se regulam pelos astros do que outros muitos, e portanto direi eu são praticamente mais astrônomos do que muitos que falam em sol, eclipses, estrelas dúplices, e cometas e astros, e talvez nenhum proveito tirem dos as­tros e nem os conheçam à exceção do sol e lua. Até aqui não tenho falado em batizados, mas houve 5 aqui no Fundão. Tenho-me esquecido dizer que aqui recebi muitos presentes de farinha, galinhas, ovos, mandiocas e palmitos etc. Sobre palmitos. Eu sabia que havia muitos pelo mato e mostrava desejo de comê-los, e o Pe. Casella falava com o cozinheiro e pessoas encarregadas da cozinha. E não queriam dar, dizendo que era comida de pobres e de índios. Custou-se a convencê-los do contrário, e eu cheguei a dizer que se quisessem mandar um bom presente para os figurões da Corte e para o mesmo Monar­ca lhes mandasse[m] palmitos estimados na Corte e caros e que ricos comem para regalo. O Dr. Bastos custou a ter palmitos, porque diziam os índios que aquilo não era para um Sr. doutor. Devo dizer que dei penso que 50$ ao Procurador ou Tesoureiro de S. Benedito que fora encarregado da cozinha.

Segunda-feira 20 de Setembro - 1880: Amanheceu chovendo. Disse Missa e dei a comunhão a 2 pessoas, uma [p. 164] das quais era uma pobre mulher doente trazida em rede e que na sua rede estava assentada, e que estava com muita sede, que já lhe custava a suportar. Soube depois que daí a poucos dias mor­reu. Outro Padre também disse Missa. Tudo se preparou para a saída, mas o tempo chuvoso nos trouxe perplexos por algumas horas, e almoçamos sem sabermos se partiríamos. Muitos vinham despedir-se chorando de saudades. Gostei de ver um índio pegar em uma palma de coqueiro e num instante fazer um tecido para cesto chamado Panacu, para levar mandioca para Al­meida. Enfim chegou a hora da saída. Fomos rezar o Itinerário dos Clérigos e fomos morro abaixo que estava enlamaçado e escorregadiço. Aquela gente toda ia-nos acompanhando uns a chorar, e todos desfazendo-se de saudades. Eu também ia com muitas saudades e repetia o que havia aprendido para o caso, a saber: Urupiáca-u-têtê (que outros depois me ensinaram ser orôuêpiaca-u­-têtê). Uma mulher disse: ele está dizendo que está com muitas saudades; e era isso mesmo que eu queria dizer. Chegado ao porto, houve beija-mão geral com muitas lágrimas, soluços e saudades de todos e de minha parte também. Embarquei-me e os Padres e Mercier e outros nas mesmas 5 canoas, e fomos dizendo e recebendo adeuses e desaparecemos da vista uns dos outros. Adeus Fundão até... Até a casa do Juca Ferreira fomos encontrando de vez em quando gente pela praia, que nos a[com]panhava porque por terra a distância é pouca e pelo rio se volteia muito. Embarcamo-nos às 9h e 20’ da manhã e às 10 estávamos na Estacada. Como o Sr. Juca Ferreira tinha feito a doação do terreno e mandado alguns presentes julguei conveniente ir visitá-lo. Bem me custou e penso que ele não me esperava porque o tempo ameaçava chuva e por isso não viera esperar-me ao porto. Mas enfim por etiqueta lá fui. Tive de subir uma bem comprida ladeira a resmungar daquele trabalho e do tempo que ia perder. Chegamos a casa, beijaram-me o anel, deram cerveja a beber, trocamos algumas palavras, e passei muito bem. O Juca Ferreira é homem acanhado, e mais a sua gente. A mulher e outras senhoras donas (todas bem brancas e da Serra) estavam assentadas em uma esteira ali no chão. A Fazenda fica em o alto de morro todo de relva com vista alegre e aprazível: há ali engenho. A casa de longe é de boa aparência e parece grande, mas de perto não merece tanto. Bem fez o Pe. Teles que se deixou ficar na canoa. [p. 165] Às 10h 35’ saímos da Estacada e daí a pouco chuva a bom chover até o sítio do bom Sr. Jerônimo onde chegamos ao meio-dia menos alguns minutos. O bom Jerônimo veio à canoa lamentando a chuva e nosso incômodo e convi­dando-nos para repousarmos um pouco em sua hospitaleira morada. De­sembarcamos, repousamos e comemos. Notei que os talheres eram novos e mais delicados; e disse comigo: quem sabe se o bom homem pensou que eu tinha zombado quando na ida eu fiz notar que os garfos e facas de ferro in­teiriço me lembraram a Cartuxa do venerando Bispo Viçoso, Conde da Con­ceição! Depois de muitos agradecimentos, nos embarcamos à 1h 20’ e graças a Deus levantou-se um pouco o tempo e cessou a chuva e pude fazer o resto da viagem fora da estreita e baixa tolda de couro de boi. Às 2h 5’ passávamos pela grande laje da Tocaia atrás ou perto da qual estende-se uma grande pla­nície e começam terras mais sem mato e de campos mais abertos; às 2h 15’ chegávamos às duas bocas em que em vasta planície fazem confluência o Sauanha e Fundão, aquele maior que este. Pelas voltas do rio se veem serras de Taubira, Mucuratá e mais rio abaixo o Genguetá. Com saudades passamos pelas 2h 53’ o lugar onde na ida havíamos tomado café. Às 3h 40 chegamos ao sítio chamado vale do Urubu, onde os remeiros largaram as varas e pega­ram em seus curtos remos porque o rio já é fundo e não servem as varas. Desde pouco antes o rio é muito largo, e parece impossível que tão depressa se alargue tanto e com tanto fundo; a água é turva e quase preta e caminha mui devagar [que] às vezes até parece parada, e já neste ponto influi a maré no crescer ou abaixar. Pelas margens há muitas mínguas, e aguapés, que às vezes parecem querer cobrir o rio de lado a lado, e ali por baixo há jacarés, dos quais nenhum vi como eu desejava. De um lado e outro há arvoredo, e por meio dele muitos palmitos; atrás desse arvoredo que vai acompanhando o rio e por isso é extenso mas não de muita largura estendem-se vastos brejos até os montes e serras mais longe. Pelas 4 horas passávamos a Olaria, e daí a 20 minutos a Caçaroca. A largura do rio, o negrume e vagar da corrente, os matos, o dia ameaçando chuva, as nuvens que cobriam o céu, o silêncio, o isolamento quando nossa canoa ia ou quando mais longe se via uma outra aportar em uma [p. 166] volta do rio, tudo isso produzia não sei que melan­colia no coração, mas que não desagradava nem enfadava. Passar porém de noite por aqui e só deve ser medonho. Oh! como esta Província é despovoa­da, e estes rios são desertos... Há casas mas tão poucas e tão distantes umas das outras! Estávamos nestes pensamentos, quando ouviu-se uma sonora pancada ao longe; trovão disse um dos remadores! O dia era para tal, mas pareceu-me sonoro e não rouco como o que acompanha o raio ou anuncia a tormenta. Continuamos a seguir as muitas voltas do rio; eis senão quando às 5h 4’ vimos uma canoa toda embandeirada em festa e daí a pouco outra; faça­-se ideia da alegria que tivemos todos, principalmente ouvindo a banda de música a alegrar-nos os ouvidos com seus alegres sons e harmoniosas sauda­ções. Era a pancada do tambor que o homem tomou por trovão. Logo adian­te há um braço do rio que atalha o caminho e vai apanhar o rio mais abaixo, e por aqui nos metemos, foi preciso que uma das duas canoas do encontro abaixasse seu mastro embandeirado para não esbarrar em alguma árvore da margem. A minha canoa é que veio primeiro à festa do encontro, porque as outras 4 vinham mais demoradas e ainda longe. Às 5h 25 eis outro encontro de outras 4 canoas todas empavesadas, com o Dr. Bastos, outros senhores da Vila, e D. Helena e filhas e a senhora do Comendador Mercier e outras. Foi um alegrão e novo alvoroço de júbilo, de saudações, de adeuses. Aqui fomos andando mais devagar, e fazendo paradinhas, até que chegaram as outras canoas. Poucas vezes este rio terá tido uma esquadra tão grande e tão vistosa como esta. Eram 11 canoas todas embandeiradas e empave[sa]das de bandei­rolas e galhardetes de várias cores, navegando rio abaixo ao som de música e de foguetes do ar, levando um Bispo e cinco Padres rodeado de amigos e de pessoas dedicadas e agradecidas que haviam-se confessado, comungado e crismado e até casado durante a visita Episcopal. Este segundo encontro foi no Iriri. Às 5h 34 passávamos por debaixo do fio telegráfico que segue para S. Cruz desviando-se de Almeida, e às 6 passávamos o Pari. Apesar do dia anuviado e do arvoredo das margens, ainda houve bastante dia para gozar-se daquele belo espetáculo que a todos alegrava; mas foi escurecendo. Começou porém outra bonita vista, porque da canoa do Dr. Bastos e de mais outra começaram a queimar pistolões que lisonjeavam os olhos, e ao ar continua­vam a subir foguetes e a música repetia suas harmonias, e ouviam-se vozes de saudações e vivas que contentavam o ouvido. Na última volta perto da Vila [p. 167] vimos luminárias na praia, e o clarão que despediam os pistolões, e as vozes dos sinos da Matriz nos saudavam de longe. Desembarcamos às 6h 35 da tarde já com chuvisco que foi engrossando a pouco, mas que felizmen­te não chegou a ser copioso, mas sempre nos fez subir um pouco mais de­pressa. Já se vê que a visita Episcopal se tem espinhos e incômodos tem também flores e compensações mui agradáveis, e que fazem esquecer o tra­balho pesado. Mas certo é que no Brasil para um Bispo velho a visita será por demais penosa. Um dia sabê-lo-ei por experiência se além dos meus 51 anos, outros viver no Episcopado. À porta da Casa da Câmara, antigamente dos Jesuítas, nos despedimos e separamos. Depois eu e os Padres tivemos que atravessar no escuro da noite e pelo vento e alguma chuvinha a praça para irmos comer alguma coisa à casa do Vigário.

Fundão: 28 Missas (6 minhas); 130 Comunhões (56 por mim); 9 Sermões por mim; 227 Crismas; 6 casamentos de amancebados sem dispensa de im­pedimentos e todos da Freguesia de Almeida: 2 pares de gente escrava, 1 par de escravo com mulher livre, 3 pares de livres; 5 Batizados; 1 Bênção de cemitério; 1 Bênção de 1ª pedra de Igreja.

http://www.ape.es.gov.br/pdf/Recenseamento/Recenseamento_1920_Nova_Almeida.pdf   (página 6)


Jurandir Loureiro e Filinha

Relato do Bispo D. Pedro Maria de Lacerda, no dia 20 de Setembro de 1880, Segunda-feira, a respeito deste pondo: "A Fazenda fica em o alto de morro todo de relva com vista alegre e aprazível: há ali engenho. A casa de longe é de boa aparência e parece grande, mas de perto não merece tanto."

1906 - Manoel Moraes e Jorge de Morres chegaram de Manaus e Manoel Badoca viajou para o Rio de Janeiro

 

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